Esse debate é obrigatório e extremamente revelador.
Arriscaria dizer que, no final das contas, foi o debate sobre novas estruturas
midiáticas de parcialidade assumida versus as velhas formas de parcialidade
enrustida.
A sensacional discussão que se estabeleceu entre Mídia Ninja
e O Globo me lembrou muito, num dado momento, aquela canção do Raul Seixas: “Combate
o patrão no trabalho sem saber que o patrão sempre esteve em você”
Mas, sem dúvida, a “saia a justa” que coloca essa
Organização no seu devido lugar é o auge do debate. E são muitas ainda as
questões trazidas nesse vídeo.
Para começar, o editor de O Globo dizer que vivemos uma
democracia plena foi dureza de ouvir. Vivemos uma democracia em fase de aperfeiçoamento, áreas como segurança pública, comunicações e judiciário ainda estão contaminadas pelo ranço autoritário da ditadura. E a cabeça das nossas elites, idem.
A questão da agressão a jornalistas foi o tema mais
espinhoso que fundiu a cuca da rapaziada e fez a temperatura subir no final.
Esse argumento da legitimidade de se calar os jornalistas da
Globo pois eles são parciais, ou seja estão do lado de lá, magistralmente
captado pela intervenção da plateia, é perigosíssimo pois também dá o direito
de calar a Mídia Ninja, já que estaria igualmente de um lado (e um lado
controverso, embora demonstrem dificuldade em perceber isso) .
Imaginemos um operário que rala pra caramba pra sustentar a
família, tem um filho ali na faixa de 15 anos e toda vez que chega em casa,
cansado do trabalho, vê o moleque empolgado assistindo a cobertura engajada e
teatralizada da mídia ninja. Imaginemos que esse garoto resolve um dia ir as
ruas externar sua insatisfação e volta pra casa cheio de ferimentos. Esse
trabalhador, um dia saindo do trabalho, dá de cara com um protesto de
quebradeira geral e topa com um camarada fazendo sua cobertura, por uma questão
muito subjetiva, terá legitimidade para cobrir-lhe de porrada?!
Acho esse debate fundamental e isso ficou sem resposta ali.
Essa contradição que parece pequena, é importantíssima para compreensão de
"tudo isso que tá aí".
No mesmo exemplo, vejo eles falando da capa do Globo
extremamente violenta (asquerosa acrescento aqui), mas o que dizer de algumas
narrativas da MN que incentivam a violência de forma até debochada? Enfim,
coisas pra se pensar…
Gostei tb muito do minuto 52, onde se fala do campo de
batalha irracional que se tornou o Facebook. Da impossibilidade que essa nova
plataforma está mostrando de fazer um contraponto a mídia oficial por conta, ou
de replicar, em sua maioria, notícias escandalosas saída dos grandes veículos,
ou ainda de uma excitação alucinada que coloca a indignação e a raiva antes da
reflexão e do conhecimento, catapultando as pessoas pras ruas.
Com 1 hora de vídeo a pergunta da menina é absolutamente
genial! Vale o ingresso. A resposta do Ninja foi tão embaralhada e confusa que
pareceu, sem sacanagem, ter incorporado um Exu-Gabeira!
No minuto 46 o Felipe, mesmo entrando numa contradição
gigantesca com sua fala anterior (onde disse que os agressores de repórteres
tinham legitimidade) consegue dizer tudo o que eu penso: “Há que se ter a
consciência que o jornalista que está na ponta não é o editor chefe e que o
policial que tá na linha de frente não é o responsável pela militarização da
instituição em que trabalha e ganha o pão."
Eu me esforço pra entender e respeito muito o que esses
jovens trazem, mas penso que, guardadas as devidas situações terríveis que
ainda enfrentamos (e eles tem razão quanto a isso), vivem sob uma perspectiva
absolutamente singular sobre o momento atual do Brasil. Talvez no eixo
Higienópolis-Leblon o Brasil, de fato, nunca esteve tão na merda e precisa
urgente de uma revolução.
No caso do Raphuko, sua percepção sobre a favela é, na minha
opinião correta e demonstra sensibilidade. Mas, notem, isso não os
credencia, em hipótese alguma, a defender na base da violência a causa de lá.
Ouvir o que está acontecendo para além da Rocinha de Amarildo, e
respeitar as formas de se organizar e o que pensa e sente as comunidades seria
um bom caminho. Manguinhos fez uma manifestação forte outro dia, e não apareceu
black blocs, OAB nem "os mil e um iphones engajados".
Por que não estreitar esses laços e sair do lugar de
porta-voz da dor alheia? Lembro-me de ter visto na Maré, três senhoras
moradoras chamando a atenção de uma menina que gritava palavras de ordem
histericamente , dizendo para ela respeitar o luto que viviam naquele
dia. Um pouco de humildade e canja de galinha não fazem mal a
ninguém. Eu mesmo senti vergonha de, naquele dia, ter ajudado no coro que
tirou a repórter do RJTV de lá ; acho que temos todos muito que aprender...
Quanto a Globo é lamentável a sua atuação sempre, é
uma organização execrável, sem dúvida um dos maiores males de toda a
história do nosso país. O ranço ditatorial e reacionário está ali, impregnado,
e não vai ser uma confissão fajuta daquelas que vai enganar os cidadãos
brasileiros que tanto desprezaram ao longo da história.
O mais importante disso tudo é a riqueza desse debate.
Estamos chacoalhando o fundo nesse momento, e é natural que muita coisa venha a
tona mesmo, de todos os lados.
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