sábado, 25 de outubro de 2014

A hora da reflexão

A vitória nas urnas não exclui uma necessidade imperiosa que já se arrasta há alguns anos: Uma autocrítica profunda dos que estão há mais de uma década no poder. Nas circunstâncias específicas do nosso país, que tem a mídia mais concentrada e uma das mais conservadoras de todo o mundo democrático, era obrigação do governo ter promovido um grande debate nacional sobre o nosso sistema de comunicações. Chamar a juventude, a classe média formadora de opinião, estabelecer canais de mediação e mobilizar as bases sociais progressistas.

Mas não, o governo foi refém (sem espernear) de uma governabilidade estúpida; se deixou aprisionar nos braços pesados do conservadorismo. E, nesse ponto, nenhuma diferença para o tucanato - as mesmas alianças, as mesmas raposas velhas, a mesma timidez em áreas centrais, como a Reforma Agrária, por exemplo. Deixou sim a desejar acima de tudo na comunicação com o povo brasileiro. O governo deixou a informação que chega a classe média consumidora de notícias nas mãos de uma mídia desonesta e cheia de interesses.

A juventude, por exemplo, embora aqui reconhecendo os avanços do Prouni e do Pronatec, foi deixada de lado em seus sonhos atualíssimos -como a questão ambiental -, demandas de um mundo novo que não foram contempladas. Ela quer mais, ela olha pra frente. É natural que os mais jovens (e os muitos que se politizaram, de um tempo pra cá, nas redes sociais) sejam imediatistas, não tenham a dimensão processual da atividade política. Não é tão claro, ou mesmo relevante para essa parcela da população, se as instituições vem se fortalecendo gradativamente, se o emprego subiu, se hoje tem mais comida na mesa do trabalhador, se temos uma economia mais robusta e menos vulnerável a crises, se o Brasil caminha para erradicar a miséria, etc. Tem uma garotada que sequer sabe o que é recessão, não enxerga a corrupção como sistêmica, não viu criança raquítica estampando capas semanais de jornais de grande circulação.

E, mais a mais, é natural que jovem seja oposição, só mesmo uma mente muito tacanha para não ver isso. Os jovens de classe média, em sua repulsa ao governo, estão sendo jovens - estendo aqui tb ao cidadão comum que tem sim todo direito de estar de saco cheio de um jogo que não muda. Estão sofrendo a angustia das grandes cidades, da empreiteragem, da falta de mobilidade urbana, etc_e se retroalimentando, as vzs sem nem perceber, de um ódio difuso (potencializado pela mídia) nas redes sociais.

Portanto, querer agora que o cidadão, em pleno embate eleitoral disputadíssimo, estabelecesse por si só uma reflexão sofisticada capaz de conectar a sua vida diária a realidade nacional e jogar isso numa perspectiva histórica é, no mínimo, desconhecer a tradição individualista e imediatista do brasileiro. Se a opinião pública, hoje, deixou de ser "pública" para ser "publicada", se não consegue dar dois passos além da padronização editorial de uma mídia desavergonhadamente interessada isso é sintomático. Em diversas áreas o governo terá que ser mais ousado sob pena de ver ruir suas principais conquistas; mas a maior dívida do Partido dos Trabalhadores - que seguirei firme cobrando - é reverter de forma radical o processo de despolitização da sociedade, que a fez chegar nesse nível de desgaste, e sobre o qual tem responsabilidade direta.


Assim como a violência, a paz é uma construção coletiva.

O processo eleitoral de 2014 ficará marcado como o mais agressivo da História da nossa democracia. É fato que o brasileiro não está muito acostumado a discussão política - refiro-me a discussão que vai além da questão político-partidária, mas que diz respeito à vida coletiva. Somos um povo individualista e que sofre por anos, fruto de uma educação herdeira da ditadura militar, da atrofia da capacidade reflexiva. Temos que levar em conta tb que essa é a primeira eleição depois do boom das redes sociais, ferramenta que estamos ainda aprendendo a lidar. Ou seja, é tudo muito recente, natural que gere excitação mesmo. Some-se a isso a mídia, que forma opinião de uma forma tendenciosa, estimulando a agressividade, e temos essa bomba pronta pra explodir!

Mas, ainda assim, no meio de toda essa loucura  surgiu a possibilidade de se discutir temas como redução da maioridade penal, banco central independente, papel dos bancos públicos, reformas de todas as sortes, etc. Considero esse exercício coletivo muito positivo mas não há dúvida que a discussão precisa ser, no mínimo, mais civilizada. Não tô nem falando em conteúdo, apenas me atendo a questão relacional. Como o movimento de desagregação foi coletivo eu proponho aqui também um 'vôo' na direção inversa, que possamos sugerir maneiras de se relacionar de forma não-violenta.

A abordagem da disputa política pra se dar de forma ética e respeitosa deve, a meu ver, concentrar-se na análise nos candidatos, partidos, instituições.. Os homens públicos e as instituições, estão aí para isso, para serem avaliados pelo cidadão. É possível ser incisivo, botar dedos nas feridas, usar o humor, observar até movimentos mais reacionários ou xiitas de parcelas do eleitorado (que de fato estão aí) sem generalizar e sem ser violento.

Não tenho dúvidas que, assim como a violência, a paz tb  pode ser uma construção coletiva.