quinta-feira, 4 de julho de 2013

Bolsa Família rompe a cultura da resignação a despeito do preconceito da elite nacional

Excelente entrevista com a socióloga diretora da pesquisa nacional e autora, junto com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, do livro "Vozes do Bolsa Família, que será lançado hoje em SP.
 
Muito boa a entrevista . Acho que ela toca num ponto fundamental, que atravanca o nosso progresso, que é o preconceito, a ignorância e a crueldade da elite brasileira.
Sem dúvida nenhuma essa ideologia separatista é alimentada por nossa mídia diariamente.
 
Tive, em aula inaugural com Min. do Desenvolvimento Social,  a oportunidade de ver como é um programa bem amarrado com bons mecanismos de controle, ao contrário do que a mídia insiste em mostrar, e ainda com "portas de saída" (fundamental num programa social sério ainda mais dessa magnitude) e que a nossa mídia, por leviandade, nem toca, para acirrar propositalmente ainda mais o ódio de classe nas pessoas.
 
Há distorções aqui e ali? Evidente que sim. Mas muitas vezes decorrem de problemas estruturais nossos, principalmente na área de educação e tb na própria cultura tão introjetada do servilismo que a socióloga destaca. Mas o mais importante é que isso está sendo rompido.
 
Fico muito feliz de viver num país, onde pela primeira vez esse ciclo perverso está sendo quebrado. Hoje, 10 anos depois, somos um Brasil diferente, menos desigual, milhares de famílias foram incorporadas, estão vendo nascer, mesmo que timidamente, a sua dignidade, e o mais importante pra mim: Pessoas deixaram de morrer de fome no Brasil. O índices somalianos de morte por desnutrição infantil reduziram drasticamente nos bolsões do interior da Bahia ao Maranhão. São crianças que deixaram de morrer de fome.
 
Se tivéssemos uma mídia mais plural e uma elite um pouquinho só menos egoísta, tenho certeza que os avanços seriam ainda muito maiores. Vide agora, a grita dos nossos doutores, que jamais pisaram nas ruas para exigir melhores condições no interior do país, mas que agora na iminência da vinda de médicos cubanos (chamados preconceituosamente de "escória" pelo presidente do CFM), mesmo em locais onde o governo fez prova e não houve sequer 1 inscrito, mesmo assim, eles preferem se valer do corporativismo cego para serem contra a iniciativa, mesmo que para isso pessoas miseráveis que precisam não recebam o atendimento e venham até a morrer.
 
Por fim, lendo as considerações sobre essa pesquisa, não tenho como não deixar de lembrar do artigo do Ali Kamel no editorial de O GLOBO, onde chama o programa pejorativamente de Bolsa-Eletrodomésticos. Nesse artigo, o nosso "Gilberto Freire do Jardim Botânico", que, para justificar o programa de cotas (hoje também comprovadamente bem sucedido em pesquisas por desempenho) publicou aquele livro para provar que não somos racistas, esse mesmo senhor, diretor  geral dessa empresa que hoje deve 1 bilhão de reais a nação, grana "retirada" da saúde e da educação, mas esse mesmo homem, teve a desumanidade de escrever que em sua pesquisa numa cidadezinha na Bahia, pessoas estavam comprando sanduicheiras e liquidificadores no lugar de comida.
 
Agora você vê: É essa a contribuição que o jornal traz para o debate público?!! É isso que será repetido pelos seus pares de classe...Para esse sujeito (e infelizmente para muitos) o pobre não tem sequer o direito de bater um leite com chocolate pro seu filho.
 
Há inúmeros estudos que comprovam que o atraso nacional foi fruto tb da contribuição decisiva das nossas elites. E esse senhor e todos aqueles que ele influencia e que espumam pela boca pra falar é bola isso e bolsa aquilo, são essas pessoas pra mim que dão diariamente sua contribuição para que o Brasil permaneça preso nessa mesma lógica de sofrimento.
 
Mas não vão conseguir, vendo uma pesquisa como essa (mais uma pra contrastar com a opinião deles) me enche de esperança nesse povo que é bom, só precisa de mais e mais e mais oportunidade. O primeiro passo já foi dado o de resgatá-los da morte indigna e  tirá-los da invisibilidade, agora é preciso que o país avance em outras áreas, principalmente educação, como diria o senador Cristóvão Buarque, UMA REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO: tanto para os pobres para se tornarem cada vez mais independentes, quanto para os ricos, para saírem da obtusidade e da ignorância, e deixarem de passar vergonha, ao repetirem por aí, sem refletir, tudo aquilo que leem no Globo e na Veja.
 
principais trechos:
O que a surpreendeu na sua pesquisa?

"Quando vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles, que não tinha sido pedida. Não tinham passado pela humilhação de pedi-la; foram lá e compraram. Crianças que comeram macarrão com salsicha pela primeira vez. É muito preconceituoso dizer que só querem consumir. A distância entre nós é tão grande que a gente não pode imaginar. A carência lá é tão absurda."
"O cadastro único é muito bem feito. Foi uma ação de Estado que enfraqueceu o coronelismo. Elas aprenderam a usar o 0800 e vão para o telefone público ligar para reclamar. Essa ideia de que é uma massa passiva de imbecis que não reagem é preconceito puro."

"A elite brasileira ignora o seu país e vai ficando dura, insensível. Sente aquele povo como sendo uma sub-humanidade. Imaginam que essas pessoas são idiotas. Por R$ 5 por mês eles compram uma parabólica usada. Cheguei uma vez numa casa e eles estavam vendo TV Senado. Perguntei o motivo. A resposta: 'A gente gosta porque tem alguma coisa para aprender'."

 "Elas gostariam de ter emprego, salário, carteira assinada, férias, direitos. Há também uma pressão social. Ouvem dizer que estão acomodadas. Uma pesquisa feita em Itaboraí, no Rio de Janeiro, diz que lá elas têm vergonha de ter o cartão. São vistas como pobres coitadas que dependem do governo para viver, que são incapazes, vagabundas. Como em "Ralé", de Máximo Gorki, os pobres repetem a ideologia da elite. A miséria é muito dura"
"As pessoas quando saem desse nível de pobreza não se transformam só em consumidores. A gente se engana. Uma pesquisadora sobre o programa Luz para Todos, no Vale do Jequitinhonha, perguntou para um senhor o que mais o tinha impactado com a chegada da luz. A pesquisadora, com seu preconceito de classe média, já estava pronta para escrever: fui comprar uma televisão. Mas o senhor disse: 'A coisa que mais me impactou foi ver pela primeira vez o rosto dos meus filhos dormindo; eu nunca tinha visto'. Essa delicadeza... a gente se surpreende muito."

Professora de teoria da cidadania na Unicamp, Rego defende que o Bolsa Família "é o início de uma democratização real" do país. Nesta entrevista, ela fala dos boatos que sacudiram o programa recentemente e dos preconceitos que cercam a iniciativa: "Nossa elite é muito cruel", afirma.
"Tem uma crueldade no modo como as pessoas falam dos pobres. Daí aparecem os adolescentes que esfaqueiam mendigos e queimam índios. Há uma crueldade social, uma sociedade com desigualdades tão profundas e tão antigas. Não se olha o outro como um concidadão, mas como se fosse uma espécie de sub-humanidade. Certamente essa crueldade vem da escravidão. Nenhum país tem mais de três séculos de escravidão impunemente. "

"Ocorreram transformações nelas mesmas. De repente se ganha uma certa dignidade na vida, algo que nunca se teve, que é a regularidade de uma renda. Se ganha uma segurança maior e respeitabilidade. Houve também um impacto econômico e comercial muito grande. Elas são boas pagadoras e aprenderam a gerir o dinheiro após dez anos de experiência. Não acho que resolveu o problema. Mas é o início de uma democratização real, da democratização da democracia brasileira. É inaceitável uma pessoa se considerar um democrata e achar que não tenha nada a ver com um concidadão que esteja ali caído na rua. Essa é uma questão pública da maior importância.
Isso é histórico. A elite brasileira acha que o Estado é para ela, que não pode ter esse negócio de dar dinheiro para pobre. "

"A cultura da resignação foi rompida pelo Bolsa Família: a vida pode ser diferente, não é uma repetição. Aparece uma coisa nova: é possível e é bom ter uma renda regular. É possível ter outra vida, não preciso ver meus filhos morrerem de fome, como minha mãe e minha vó viam. Esse sentimento de que o Brasil está vivendo uma coisa nova é muito real. Hoje se encontram negras médicas, dentistas, por causa do ProUni (Universidade para Todos). Depois de dez anos, o Bolsa Família tem mostrado que é possível melhorar de vida, aprender coisas novas. Não tem mais o 'Fabiano' [personagem de "Vidas Secas"], a vida não é tão seca mais."

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