quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O sentir e o sentido

O sentir é hoje, é aqui e agora, enquanto que o sentido está sempre preso a um pensamento condicionado. A própria palavra, curiosamente, em sua polissemia provocadora, nos sugere isso: Sentido, aquilo que um dia já se sentiu.

Viver a vida tentando dar sentido a cada passo pode ser profundamente angustiante e limitador, simplesmente porque está mais do que provado diante dos olhos que não precisam mais ver, que a maior parte do que somos se desenvolve e acontece nas relações com o outro, é da ordem do sentir e não do sentido.

O olhar, o cheiro, o caráter, os anseios, dificuldades e principalmente  as nossas ações em geral, formam essa coisa que a gente tem chamada de alma, e essa só pode ser acessada por aquilo que não podemos explicar.

Talvez tenha sido por isso que Clarice Lispector, tida como a poetiza da alma humana  - uma mulher que no ápice de sua angústia percebeu a potência libertadora do seu vazio e chegou a imiscuir-se aos raios, trovões e no escuro da noite - tenha penado tanto até se tornar a intrépida artista que a tantos inspirou.

“Porque eu pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente [...] Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Mas agora estou atrás daquilo que fica atrás do pensamento. Entender é sempre limitado. As coisas não precisam mais fazer sentido. Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido.”

Quando paramos pra dar sentido a algo em nossas vidas, geralmente o fazemos em cima de informações antigas que nos servem de base para analisar o presente. Até aí tudo bem. O problema é que quando o presente vai de encontro ao passado  e “demora muito por lá”, quando volta, traz consigo o peso de uma responsabilidade que muitas vezes não tem como suportar.

Ele já está em desvantagem,  pois o que passou já foi, é uma mera abstração -  e se essa vida for mesmo um sonho como dizem os sábios e os loucos, se bobear nem existiu - enquanto que o que é  leva a gente junto “nessa viagem” e  lá chegando,  quase sempre vulneráveis,  jogamos  no colo do passado a pesada tarefa de não se repetir no futuro. 

Acordamos o monstro, e aí não tem jeito nem escolha, teremos que lhe dar com ele.  Nietzshe tem uma citação muito interessante que diz que “aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também parte desse monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo também olha para você”

A  busca de um sentido acaba nos impedindo de sentir o que estamos recebendo, o novo que se abre diante de nós.Quando o presente convoca o passado pra que ele simplesmente não aconteça no futuro, geralmente ele não aceita esse “pequeno papel”, e volta com toda força pra tomar um lugar de destaque no palco de nossas vidas.  

Numa de suas passagens mais importantes aqui nesse planeta, Jesus, do alto do Monte das Oliveiras disse “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Os fariseus acharam se tratar de algo inteligível, que pudessem usar em benefício da própria vida, um conhecimento poderoso sobre si próprio, ou qualquer coisa assim; mas o que o Mestre dos Mestres trazia de novo era justamente uma verdade totalmente desprovida de explicação, aquela que causava espanto ao coração dos sedentos por respostas. Jesus chega a dizer, na mesma passagem, que boa parte daqueles ouvidos que ali estavam jamais poderiam escutar a boa nova que era pra ser sentida e não compreendida.

Conhecer nem sempre liberta, no entanto, o “não entendimento” pode ser extremamente libertador para o espírito humano. Quando nos permitimos viver o momento presente sem a cansativa missão de saber, nos colocamos também de frente para o novo que não precisa mais ter um sentido, pois se compensa com sobras no indescritível regozijo da alma que entrega e confia.

 
 

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