sábado, 27 de abril de 2013

O retorno a si mesmo: Quando a ida é o primeiro passo da volta

"Hoje eu me sinto, como se ter ido fosse necessário para voltar"
                                                                        (Gilberto Gil)

Quando abrimos os braços e "olhamos para o alto", abrimos também o peito e nos entregamos para o que sentimos, num movimento instantâneo e irresistível. Nesse momento não há mais percepção, nem entendimento, apenas uma profunda sensação de mergulho e envolvimento, não há mais dúvidas, pois estas ficaram em outro plano, também não há mais pensamento, pois este é o pai de toda dúvida. Não há tempo, não há espaço, não há pensamento. É quando tudo se faz um só.

O estado de maravilhamento, ou de contemplação, se dá quando sentimos em nosso verdadeiro"ser" a convicção de que não somos feitos de pensamento. Eles vivem em nós, se alternando o tempo todo num ritmo frenético , muitas vezes produzindo emoções de todas a ordens e clamando por atenção, mas, por não nos pertencerem, não merecem um pingo da nossa inclinação.

Na série americana Lost, isso foi mostrado de forma muito interessante. Os personagens eram atirados em "túneis do tempo" e de repente se viam em lugares e situações que tinham que aprender a enfrentar na cara e na coragem; muitos sucumbiam. Por detrás de tudo, dois "personagens"disputavam uma estranha partida num tabuleiro em frente a praia, cujas pedras eram as vidas alheias. Assim é nossa mente, a morada do traiçoeiro, que vez por outra nos desloca, ou melhor, nos joga pra lá e pra cá e está sempre nos convidando para mais uma "partidinha".

Algumas religiões (as cristãs, principalmentte) distorcem e até manipulam quando dizem que uma mente pura é aquela desprovida de pensamentos ruins ou maléficos e que esses, quando surgem , é porque há algo de errado com a nossa conduta. O pensamento ruim ou bom, negativo ou positivo, que nos assombra e que nos conforta, que nos alimenta a alma ao mesmo tempo que nos ilude, habita em todas as mentes, (o espírito mais iluminado, quando veio a este mundo, esteve, ocasionalmente, a mercê deles), vez por outra se traveste e nos chega de formas infinitas que nem conseguimos perceber, pois a mente é mesmo a morada do traiçoeiro.

Quando estamos ainda vibrando em função das coisas desse mundo, de fato somos o que pensamos. Porém vivemos uma ilusão, já que simplesmente achamos que somos aquilo que pensamos. Para o bem ou para o mal, enquanto por aqui estivermos e aqui ajuntarmos "nosso tesouro" (mente), seremos sempre, em última análise, condicionados pelo pensamento, prisioneiros da força de nossa mente, e é até natural que assim o seja, embora não desejável.

"Porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. O que semeia na sua carne, dela ceifará seus dividendos; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna.

                                                                                       (Gal 6:7)

Foram dois os principais legados de Jesus, quando viveu aqui entre nós. O primeiro, o amor incondicional. E o segundo, não menos importante, e que de uma certa forma complementa o primeiro, a mensagem de que esse mundo não era o único: "O meu reino não é desse mundo" (Jo, 18:36).

Nós somos muito mais do que isso que percebemos. O pensamento é desse plano, do ser egóico, que passa a vida dando vazão, se inquietando, acumulando pra depois identificar, vigiar e cuidar; mas tudo isso no final das contas não importa, pois é, e sempre será, o pensamento. Limitado nessa dimensão, como aqui estão também limitados as unidades de "tempo" e "espaço", conforme as concebemos.

Um valioso ensinamento budista diz que é bom para o homem domesticar a mente que, de difícil domínio, e veloz, corre para onde lhe agrada; isso de fato traz felicidade; mas ele segue dizendo que assim como a água turva não mostra os peixes e as conchas embaixo, acontece com a mente humana,  pois seu poder é limitado, condicionado por natureza.

A consciência essa sim é elevada, integrada, e eterna. A consciência é o que somos. E ela é limpa e cristalina como a água. Pensamentos podem nos invadir, podem ir e vir a vontade, podem, eventualmente, até atrair o bom e o ruim, mas no estado de luz, de plenitude e unidade com o TODO, jamais irão nos capturar. Para um ser que descobriu o quão fantasioso e ardil eles podem ser, pensamentos não exercem poder algum pelo simples fato de "não existirem", serem uma mera ilusão dessa passageira vida terrena. Sábias foram as palavras : Não ajunteis tesouro algum na Terra...onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração."

Viver pela consciência é viver bem leve, sabendo que nada desse mundo tem valor intrínsico, a não ser o amor por todas coisas visíveis e invisíveis e antes de tudo por si mesmo. Viver nesse amor é a única forma de colocar nosso tesouro em outro plano, e experimentar em vida um pouco dessa dimensão maior que extrapola todos os sentidos.

Já dizia o Eclesiastes há dez mil anos: "Debaixo do sol não há nada novo", tudo vem e tudo volta num eterno devir, "a mais alta sabedoria que se alcance nesse mundo pode vir a ser loucura aos olhos de Deus.."; por isso, não nos enganemos: Nós não somos o que pensamos. Isso vale tanto pro incauto quanto para o atento. Nós somos muito mais que isso, somos feitos para experimentar o céu na terra. Somos seres de luz, parte do Todo. Somente quando nos sentimos assim, totalmente vazios de significado (como pregava Krishnamurti), conseguimos nos elevar e ver o quanto o pensamento é pouco, frágil, desse mundo. E o quanto nós não temos nada a ver com o que ele provoca.

                                                        Feel in the one drop!

                                                                (Bob Marley)

 Nosso corpo físico, mental, emocional, além de ser afetado por tudo que circula nesse planeta (energias, heranças genéticas, pensamentos, etc) é constantemente agredido por nós mesmos com maus tratos, ignorâncias diversas, substancias tóxicas, e toda sorte de ações diárias que contribuem para o seu desequilíbrio - desse modo, ele apresenta mil imperfeições e assim será até o último dia de nossa última respiração. Esgarçamos o nosso ser até não poder mais, até que chega um determinado momento em que, de tanto caminharmos nesse mundo, recebemos 'um chamado', algum tipo de despertar que nos sugere uma viagem pra dentro de nós mesmos.

 De fato, é um caminho fascinante e as vezes até fundamental, se perceber, buscar se conhecer. Sócrates dizia que "Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida". Fazer do corpo um lugar que visa o nosso crescimento, voltar a atenção para nós mesmos, com amor e generosidade, pode ser uma experiência singular que produz efeitos positivos e provoca mudanças extremamente valorosas. Nossas imperfeições podem ser trabalhadas, nossas potencialidades ficam mais claras e a vida pode ser muito melhor.

Acredito que essa seja uma etapa extremamente importante do processo de aprendizado sobre a nossa estada nesse Universo, principalmente quando assimilada sob o aspecto de uma possibilidade que não pode se encerrar nela mesmo, e que fomente um "ir ainda mais além"..Dizia Nietzshe que "Se tu olhares muito tempo um abismo, o abismo também olha pra dentro de ti". Trata-se dos limites da jornada pelo auto-conhecimento. Assim, creio que o mais profundo mergulho pra dentro de nós mesmos não é capaz de nos dar nem uma leve pista do quanto de nós existe fora da gente. Eu vou além e arrisco dizer que quase a totalidade do que realmente somos está fora da gente.

E a decisão de "sairmos de nós", assim como a do passo de "voltarmos para nós", requer entrega e confiança: Nos lançamos no que não vemos, naquilo que não podemos compreender, e aí percebemos que nosso ser (corpo e mente) pode, apesar de todas as suas marcas e cicatrizes, ser um vaso limpo, perfeito, que através da consciência , se integra ao universo. No plano da consciência - que podemos experimentar em parte aqui nessa vida - não haverá espaço para o pensar. Essa certeza eu tenho, é um ato de fé. Experimentaremos uma outra forma de..(faltam-me palavras e isso é um bom sinal) assim como acredito  que o tempo e o espaço também assumirão outras formas.

Por enquanto, aqui nesse planeta, enquanto estivermos nesse corpo físico, só nos resta cuidar muito bem dele, procurando, com amor e atenção permanentes por si mesmo, manter o seu equilíbrio afim de minimizar a onda de pensamentos pra que esses não venham ainda mais intensos, confusos e inconstantes e nos fazendo desperdiçar energia preciosa pra dar conta deles.

Quanto mais equilibrado o ser humano estiver menos necessidade terá de buscar o equilíbrio, ou menos necessidade terá de buscar e isso é maravilhoso! Como as plantas, os animais e as estrelas do céu e do mar ele apenas viverá, deixará fluir, sorrirá, não levará as coisas muito a sério e não se levará também muito a sério. O nosso mundo, essa vida agitada e a cada dia mais sem sentido, definitivamente não foi feita pra ser levada tão a sério, compreendida, muito menos aquilo que chega em nossa mente.

Quando pararmos de dar importância a essas "mensagens baixas" que nos invadem sem pedir licença, é porque finalmente é chegada a hora de sair, de dar o "drop final". Perceberemos então o Todo se comunicando com a gente, e nos conectaremos com o que é verdadeiramente belo. Silenciar pra poder sentir, parar para ir além. Para mim, hoje, não resta mais dúvida: No retorno para o que verdadeiramente somos a ida é o primeiro passo da volta.
 
http://www.youtube.com/watch?v=ecirRN_b0aY

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