sábado, 20 de novembro de 2010

Valeu Zumbi, o grito forte dos Palmares.

Em 1988, ano em que se comemorava o centenário da abolição da escravatura no Brasil, a Vila Isabel vencia o carnaval na Marquês de Sapucaí com uma bonita homenagem ao herói abolicionista Zumbi dos Palmares. Nesse mesmo ano a Mangueira levava para avenida, em tom de louvor e denúncia, aquela que considero a mais bela entre as mais belas de suas infinitas composições:

"Será que já raiou a liberdade ou se foi tudo uma ilusão? Será que a Lei áurea tão sonhada e há tanto tempo assinada, não foi o fim da escravidão? Hoje, dentro da realidade onde está a liberdade, onde está que ninguém viu?...Moço não se esqueça que o negro também construiu as riquezas do nosso Brasil, moço não se esqueça que o negro também construiu as riquezas do nosso Brasil...”

Era nossa festa popular de maior expressão trazendo a baila, muito oportunamente, uma importante questão: A grave situação vivida pelo negro após a abolição da escravatura, o que alguns historiadores denominaram "liberdade vazia" - os meios necessários para sua inserção social não lhe foram apresentados com clareza, e estão sendo conquistados até os dias de hoje na raça e na coragem.

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Clique para ouvir o samba mais bonito de todos os tempos puxado na Avenida por Jamelão :

http://www.tradicaodosamba.com.br/radio/mangueira/SEmangueira88.html

2 comentários:

  1. Ora, todos sabemos que uma democracia só pode ser plenamente concebida como tal se contemplar na íntegra os direitos civis, políticos e sociais de um povo. Sabemos ainda que liberdade é um conceito bem amplo, determinado diretamente por vários fatores e que, além de tudo, deve ser contextualizado historicamente como fez Jurandir da Mangueira - autor do memorável samba - com muita propriedade; mostrando que a Lei áurea deu asas para o negro voar, e a sociedade, já no dia seguinte, tratou de lhe tirar o céu!

    "...Pergunte ao criador quem pintou esta aquarela, livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela” Assim prosseguia o samba da Estação Primeira , mostrando ao Brasil e ao mundo que o negro também ajudou a construir essa nação, a pintar esta aquarela brasileira e que, até hoje, vive em sua maioria, marginalizado, oprimido e residindo em guetos e favelas, “sutilmente” segregado do resto da população.

    Bom, mas acho que não cabe mais falar de sofrimento e de dor, o tempo do resmungo já passou e é com muita alegria que eu percebo que, hoje, 22 anos depois, o quadro da desigualdade racial no Brasil apresenta sensíveis sinais de melhora. A semente plantada por Zumbi finalmente cresceu e já começa a sazonar seus frutos. O negro brasileiro, mais uma vez na história, chamou pra si a ‘responsa’ e cada vez mais percebe-se como sujeito dessa transformação, numa luta de igual teor de bravura só que, agora, no plano ideológico - impulsionando ações afirmativas (como as cotas universitárias) de forma ousada, fazendo acontecer.

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  2. Cidadãos brasileiros estão fazendo a hora, reivindicando o que nunca lhes foi, nem nunca lhes será ofertado. Nunca! Assim como Anastácia não se deixou escravizar, o negro brasileiro cada vez mais reconhece a luta que vem enfrentando diariamente nessa "gigantesca Casa Grande chamada Brasil" e arregaça as mangas pra cobrar o que é seu por direito.

    Por isso, neste 20 de novembro de 2010, dia tão carregado de simbolismo, demos vivas aos verdadeiros personagens do passado e do presente da história do Brasil:

    Viva os nossos quilombolas, que com bravura e coragem, numa das mais bonitas histórias de resistência que o mundo já viu, não deram outra alternativa ao império e conquistaram sua liberdade com muita perseverança.

    Salve Milton Santos, o nosso grande geógrafo que em toda sua trajetória de vida procurou trazer a luz a face mais cruel do “racismo tapinha nas costas" do brasileiro - onde o elevador de serviço, os anúncios exigindo "boa aparência", e outras facetas obscurecíveis do preconceito funcionam como mecanismos de controle mantenedores da desigualdade racial e, por se darem de maneira velada e sutil, conseguem ser ainda mais eficazes que a velha e vergonhosa chibata.

    E viva tantos e tantos outros personagens anônimos mas de igual importância.

    Quando naquele ano comemorativo Jamelão cantava em verso e prosa o sonho da volta de Zumbi dos Palmares, do fim do sofrimento do negro, e chamava isso de "uma nova redenção" (..sonhei que Zumbi dos Palmares voltou, a tristeza do negro acabou foi uma nova redenção..) mal sabia nosso sambista que, poeticamente, pressagiava um novo período na história brasileira, já que o espírito da luta de Zumbi, comandante guerreiro, se faria presente, mais do que nunca, em cada lar, em cada organização, em cada esquina, na favela ou no Congresso, no sinal ou na universidade, no dia-a-dia de bravura de cada negro desse Brasil.

    Valeu Zumbi, seu grito forte dos Palmares já ecoa pelos quatro cantos do país, chacoalhando as bases de uma sociedade onde um dia (de verdade) a cor da pele não determinará mais absolutamente nada, um dia onde estaremos de fato juntos e misturados, o dia onde estas minhas palavras densas e emocionadas perderão todo sentido; e neste dia, aí sim, poderemos encher o peito e dizer: Somos todos cidadãos brasileiros.

    E o samba da mangueira, que abriu esse texto com perguntas que convidavam a reflexão, termina de maneira alegre e festiva, como não poderia deixar de ser:

    "O negro samba negro joga capoeira, ele é o rei na verde e rosa da Mangueira!"

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