A operação foi sem dúvida vitoriosa: Uma resposta imediata, integrada e estrategicamente bem definida pelas forças de segurança do Estado; mas creio que passada a euforia inicial produzida pelo frenesi da cobertura midiática, se faz necessário,colocá-la, ou pelo menos aproximá-la, da exata medida de sua representação no contexto da segurança pública no Rio de Janeiro.
Em primeiro lugar é preciso lembrar que o objetivo principal, reiteradas vezes divulgado pelas autoridades, foi alcançado: A desterritorialização dos marginais que praticavam o crime naquela região. A ocupação do território foi um ataque direto no centro nevrálgico do tráfico. Uma conquista importantíssima, não há a menor dúvida.
O que precisa ser avaliado é a forma em que essa ocupação se deu, e aí podemos, a grosso modo, atendo-se apenas a questão operacional, dividi-la em três níveis a saber:
1 - Ocupação do território com rendição dos marginais e a conseqüente prisão dessas centenas de pessoas envolvidas no crime naquela região.
2 - Ocupação do território com a resistência dos criminosos , as inevitáveis baixas e a prisão dos envolvidos no crime.
3 - Ocupação do território com número irrisório de rendidos , fuga e desaparecimento da maioria sem as devidas prisões desses marginais.
Nesse momento, a operação realizada no Complexo do Alemão encontra-se no terceiro nível acima citado. Com uma ponderação: Considerando-se que, historicamente, pessoas comuns acabam sendo sacrificadas em nome dessa “guerra”, na minha opinião entre uma única criança morta e diversos bandidos fugindo de chinelo, desarticulados e rumo ao nada, acho que é melhor que eles fujam sem confronto do que enfrentamento a custa de sangue inocente.
Mas essa é uma opinião pessoal, fato é que levando-se em conta o propósito militar de ocupação e prisão dos meliantes pode-se dizer que apenas a primeira parte foi bem sucedida, o que já é um enorme avanço, não há a menor dúvida disso.
Na equação final, portanto, a operação foi vitoriosa e produziu um efeito simbólico sem precedentes , mas devido a toda rede e estrutura complexa em que o tráfico de drogas está inserido e que tem no comércio varejista das favelas apenas mais um braço, está longe de ser esse divisor de águas que a televisão está querendo vender
Arriscaria ainda dizer que está muito, mas muito longe de representar uma vitória do “bem” sobre o “mal”, pois sabemos que esse problema terrível, diferente do que mídia sempre tentou mostrar, não se trata de um poder paralelo (eles lá e nós aqui) mas sim de uma teia que envolve diferentes atores sociais: os grandes chefões que não aparecem, jovens de classe média, juizes que vendem sentenças, advogados de recado, a própria policia, os mulas de fronteira, as milícias que operam dentro do aparelho do Estado, outras facções e até a mídia quando glamouriza a droga no segundo caderno para depois demonizá-la na parte policial. O mais adequado e honesto seria chamarmos de poder simbiótico.
Seguindo essa linha de raciocínio, nesse fim de semana, um grupo que ocupava uma posição destacada dentro de uma determinada facção, que por sua vez está inserida nessa cadeia complexa, foi desarticulado com a perda do espaço territorial privilegiado onde se concentravam para praticar suas atividades criminosas.
Colocar as coisas nos seus devidos lugares , sem a euforia excessiva que conduz a ilusão, nem o pessimismo incorrigível dos que queriam ver uma guerra, acredito ser o mais ponderado nesse momento.
Com a certeza de que precisamos avançar ainda em muitos níveis para uma melhor compreensão dessa questão, termino sem disparar uma pergunta, mas convidando todos a uma reflexão: O jornal O Globo de ontem, deu destaque de capa a fala de uma das principais autoridades policiais envolvidas na operação do Alemão. Essa autoridade policial assegurava a população do Rio que uma determinada favela – que fora alvo de intensa especulação nos últimos dias – estava tranqüila e caso oferecesse qualquer tipo de problema para Zona Sul, seria a próxima a receber o mesmo tratamento por parte das forças de segurança que atuaram na Penha.
Agora vejam, num momento inédito como esse, em que o Secretário de Segurança tenta de forma louvável conscientizar a população da importância crucial do território - invertendo a velha lógica da leniência do Estado com locais exclusivos para pratica do crime - uma autoridade de alta envergadura, envolvida diretamente na operação, dá uma declaração diametralmente oposta, uma espécie se salvo-conduto pra marginalia atuar numa determinada área da cidade, desde que..
Um dia histórico, a sociedade tem motivos pra comemorar, na mesma medida em que precisa estar ciente que tem muito ainda a caminhar.
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Somos nós contra nós e essa é a maior questão. Cota-se apenas o rabo da lagartixa.
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