“O nosso futebol, com sua criatividade e alegria, é expressão de nossa formação social, rebelde a excessos de uniformização, de geometrização, de estandardização, e ainda a totalitarismos quem façam desaparecer a variação individual ou a espontaneidade pessoal. O futebol no Brasil se fez marcar por um gosto de flexão, de surpresa, que lembra passos de dança aberta ao improviso, à diversidade e à espontaneidade individual” (Sócrates, 2 de junho de 2010, da CartaCapital).
Pode ser que alguns craques tenham jogado mais futebol que jogou Sócrates, ou mesmo muito mais, mas arrisco dizer que nenhum pensou o futebol como pensou Sócrates. Sócrates foi maior representante do futebol-arte que esse país já teve.
Talvez só Garrincha tenha vivido uma vida no futebol como ele viveu, mas no caso do Mané, a coisa se dava de forma pura, ingênua, quase inconsciente, enquanto que o "doutor", fazendo jus ao homônimo famoso filósofo, usou a razão não só para jogar mas para viver e pensar o futebol e o seu papel em nossa cultura - a dimensão desse esporte na vida do povo brasileiro.
Sócrates jamais encarou o futebol como uma competição, como um esporte que se encerra num jogo entre vencedores e vencidos. Seu corpo, inclusive, era bastante improvável para a prática e no entanto foi genial no trato da bola, fazendo parte daquela seleção que encantou o mundo em 1982, sem vencer. E o “sem vencer” aqui tem tudo a ver com Sócrates, é muito coerente com sua trajetória; pouquíssimos títulos na carreira, fazia questão de mostrar desprezo aos troféus.
Se na Espanha Sócrates havia sido um dos principais jogadores, talvez o grande nome daquela edição; na Copa seguinte protagonizaria um lance que define muito bem o que é para ele o futebol. Perderia um pênalti crucial para o Brasil e de forma aparentemente descompromissada, meio exótica, de bandana na cabeça e barba por fazer, envergou o corpo sem tomar distância pra bola. Brasil eliminado.
Assim era Sócrates, um grande craque, que viveu o esplendor do futebol arte pelo puro e simples prazer de praticá-lo. O cara que deu de calcanhar pra “esse negócio” de resultado e que levantou o braço pra vida e pra alegria de viver.
E esse era mesmo seu pensamento mais sincero, absolutamente coerente com o que sempre praticou. Lembro-me de um caso que ele sempre contava, de um time que foi campeão de um torneio sem fazer um único gol. Empatou cinco de zero e na final foi campeão com gol contra do adversário. Era mais uma forma que o Doutor encontrava de dizer, mesmo que nas entrelinhas, que vencer não queria dizer nada.
Sócrates, portanto, foi aquele que mais teve coragem de falar abertamente que não encarava o futebol como um esporte e sim como arte. Esse que talvez seja o assunto mais polêmico e inacabável do futebol brasileiro, que desperta paixão e ódio, dúvidas eternas, muita incoerência por parte de torcedores e uma enorme ambigüidade por parte da imprensa, era tratado naturalmente pelo nosso doutor: Ele queria ser feliz e pronto; ganhar ou perder era um detalhe..
Por isso, não tenho dúvidas em afirmar que por toda sua trajetória de vida, toda genialidade que, momentaneamente, emprestou ao futebol e toda a maneira como abertamente professou suas crenças sobre tudo de lúdico que gravita em torno da bola, Sócrates Brasileiro Sampaio S.V de Oliveira é o maior representante do futebol arte que o país já teve.
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