segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A paz

"Aproxime-se de seu criador com o objetivo da paz", assim preconizava Mahatma Gandhi em sua busca incessante pelo pacifismo no mundo. É justamente o que tenho procurado há algum tempo quando faço minhas orações, esperando aquilo de mais essencial - de mais místico e ao mesmo tempo inteligível - que, acredito, Deus possa dar ao coração humano: a paz.

 Mas não falo de qualquer paz, falo desta paz que o homem procura para serenar uma existência inquieta, fruto de uma vida atribulada e comprimida pelo tempo, somada a uma sede insaciável de presença, atenção, carinho e outros sabe-se-lá-o-quês...

A cada dia me convenço mais de que aquilo que o mundo e as sociedades clamam de uma maneira geral, é também uma necessidade endógena, presente na mais recôndita vontade de cada ser humano de obter a paz interior. Um dos principais preceitos do Dalai Lama fazia referência exatamente à isso, nos admoestando que "sem a paz interna é impossível haver paz no mundo'.

E eis o motivo da inocuidade, do eterno "cair no vazio" das milhares de manifestações que vemos pelo mundo e pela cidade a fora; pois a mesma pessoa que xinga e burla violentamente as leis do trânsito durante a semana, no domingo, veste-se de branco para participar de uma passeata pela paz.

Mas qual paz? A que paz o cidadão comum faz referência nessa hora? E o que é mais relevante: qual a paz esta pessoa tem procurado conservar pra tentar viver bem consigo e conviver bem com os seus? Esta é uma pergunta que devemos também direcionar a nós, pois uma vez evitando se ver como parte do todo social, corremos o risco de nos distanciarmos de vez dele e ficarmos reduzidos a uma uma existência pobre, espiritualmente falando.

É nesse sentido que eu acredito que a grande revolução desse novo milênio é a interna, a do homem despindo-se de suas máscaras, tabus e preconceitos, aceitando suas limitações e (re)conhecendo seus potenciais, refletindo sobre sua conduta e acima de tudo percebendo-se sujeito de uma transformação maior, planetária. Só quando realmente mudarmos nesse sentido, quando evoluirmos (mas sem precisar morrer e voltar a esta mesma vida atribulada como pregam algumas religiões) o mundo e seus habitantes estarão aptos a mudar com a gente.

E para que vejamos esta mudança se dar da maneira mais completa possível é fundamental que ocorra também uma volta a essência, ao estado natural das coisas que nos reaproxime da natureza, e nos faça sentir de novo o cheiro da criação. Pois trata-se de algo que vai além da super velocidade do nosso tempo, das inquietações e dúvidas da pós-modernidade, mas diz respeito ao anseio mais profundo da alma humana, um anseio por descanso em vida.
Creio que a paz seja aquilo que há de mais sensível nesta vida que pode, de fato, se locupletar na transcendência.

Transformados e vivendo sob a luz de uma nova espiritualidade seremos capazes, finalmente, de enxergar o semelhante e as questões concernentes a vida em sociedade. Sim, porque engana-se quem pensa conseguir cuidar do todo sem antes conhecer e, acima de tudo, se reconhecer como parte; é impossível para o homem enquanto este encontra-se alienado de si mesmo e de seu próprio ambiente natural.

A água é a preocupação ecológica mais candente que se apresenta a humanidade nesse começo de século, e por que não paramos ainda pra refletir de maneira compromissada? Por que, pelo menos, não desligamos o chuveiro enquanto nos ensaboamos? Eu arrisco uma resposta: Porque, apesar de vivermos aqui, estamos muito distantes da Terra, não conhecemos de fato a nossa casa e tão pouco nossos co-irmãos. Deveríamos aprender com os índios que um povo que se distancia de sua própria "casa", que se revela incapaz de resolver questões básicas de sobrevivência, jamais poderá apaziguar os conflitos interpessoais para levar uma vida de paz, harmoniosa em sua sociedade.

Penso que este sim seja o grande sentido de espiritualidade dos novos tempos, quem sabe até numa perspectiva holística, a verdadeira re-ligação - que as religiões no mundo se mostraram incapazes de promover - propiciadora do encontro do homem com sua essência natural, com o universo e com Deus.


Weber e outros filósofos usaram a expressão reencantamento do mundo, numa alusão a volta do homem ao sagrado, que se daria depois que o indivíduo moderno se encontrasse completamente atomizado pelo mundo da razão. Sinceramente, não vejo esta hora muito longe, acho que já estamos até vivenciando ela, só que, lamentavelmente, da maneira mais distorcida possível - vide as loucuras do fundamentalismo Islâmico, o recrudescimento do sectarismo evangélico, a indústria milionária dos gurus, as novas formas de dominação da força hegemônica católica,  a assustadora emergência exotérica na “nova era”, etc.  

Vivemos um tempo de "racionalismo-espiritual", de hiperindividualismo e onipotência, um novo ethos parece se establecer e, por ele, tudo agora pode ser explicado, onde o aquilo que é sentido de quase nada vale se também não fizer sentido.

Mas tenho esperança que já está chegando o dia em que o mundo despertará para essa nova espiritualidade, sem religiões, sem dogmas, doutrinas ou modelos de conduta. Uma espiritualidade que alcance tanto o indivíduo como a coletividade e, consequentemente, todo o planeta. O dia em que o homem fará valer a força das palavras de Gandhi, aproximando-se do criador com o objetivo único da paz, para então, no gozo de sua plenitude, ir praticá-la pelo mundo no lugar de apenas pedi-la nas ruas. É essa minha mensagem de esperança!

Neste fim de ano e para o que já se aproxima desejo de todo o coração à você a paz que também quero para mim, na certeza de que é possível alcançá-la na mesma medida que também é preciso desejá-la com todas as forças. 
Abaixo, palavras de esperança que vem justamente daquele cujo nascimento, agora, celebramos pelos quatro cantos do mundo e que, entre outras, também é chamado de Príncipe da paz.

"..Eu vos disse isso para que em mim tenhais paz. Neste mundo experimentareis a aflição, mas tende confiança, eu venci o mundo." (Jesus)

Um bom natal pra você e sua família,
E um 2003 de renovação pela paz e para a paz!
 
* Texto publicado há 10 anos no antigo blog.

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