Esse texto merece ser lido, refletido e repassado.
Na minha opinião, Luis Nassif faz aqui, de forma didática e extremamente ponderada, a melhor análise dos últimos anos sobre o quadro político brasileiro.
É possível perceber após a morte da oposição, as forças que se aglutinaram para fazer esse papel; num primeiro momento captado pela mídia tucana, mas pouco a pouco por outras instituições onde o conservadorismo e ou a vaidade extrema se faz muito, mas muuito presente.
Vale a pena a leitura.
Vamos entender o xadrez político
atual.
Há um jogo em que o objetivo
maior é capturar o rei – a Presidência da República. O ponto central da
estratégia consiste em destruir a principal peça do xadrez adversário: o mito
Lula.
Na fase inicial – quando explodiu
o “mensalão” – havia um arco restrito e confuso, formado pela velha mídia e
pelo PSDB e uma estratégia difusa, que consistia em “sangrar” o adversário e
aguardar os resultados nas eleições presidenciais seguintes.
A tática falhou em 2006 e 2010,
apesar da ficha falsa de Dilma, do consultor respeitado que havia acabado de
sair da cadeia, dos 200 mil dólares em um envelope gigante entrando no Palácio
do Planalto, das FARCs invadindo o Brasil e todo aquele arsenal utilizado nas
duas eleições.
A partir da saída de Lula da
presidência, tentou-se uma segunda tática: a de construir um mito anti-Lula. À
falta de candidatos, apostou-se em Dilma Rousseff, com seu perfil de classe
média intelectualizada, preocupações de gestora, discrição etc. Imaginava-se
que caísse no canto de sereia em que se jogaram tantas criaturas contra o
criador.
Não colou. Dilma é dotada de uma
lealdade pessoal acima de qualquer tentação.
O “republicanismo”
Mas as campanhas sistemáticas de
denúncias acabaram sendo bem sucedidas por linhas tortas. Primeiro, ao moldar
uma opinião pública midiática ferozmente anti-Lula.
Depois, por ter incutido no
governo um senso de republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos
legítimos de autodefesa. Descuidou-se na nomeação de Ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal), abriu-se mão da indicação do Procurador Geral da República
(PGR) e descentralizaram-se as ações da Polícia Federal.
Qualquer ação contra o governo
passou a ser interpretada como sinal de republicanismo; qualquer ação contra a
oposição, sinal de aparelhamento do Estado.
Caindo nesse canto de sereia, o
governo permitiu o desenvolvimento de três novos protagonistas no jogo de
“captura o rei”.
STF
Gradativamente, formou-se uma
bancada pró-crise institucional, composta por Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, e
Luiz Fux, à qual aderiram Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Há um
Ministro que milita do lado do PT, José Antonio Toffolli. E três legalistas:
Lewandowski, Carmen Lucia e Rosa Weber.
O capítulo mais importante, nesse
trabalho pró-crise, é o da criação de um confronto com o Congresso, que não
terá resultados imediatos mas ajudará a alimentar a escandalização e o processo
reiterado de deslegitimação da política.
Para o lugar de César Peluso,
apostou-se em um ministro legalista, Teori Zavascki. Na sabatina no Senado,
Teori defendeu que a prerrogativa de cassar parlamentares era do Parlamento.
Ontem, eximiu-se de votar. Não se tratava de matéria ligada ao “mensalão”, mas
de um tema constitucional. Mesmo assim, não quis entrar na fogueira.
Procuradoria
Geral da República (PGR)
Há claramente um movimento de
alimentar a mídia com vazamentos de inquéritos. O último foi esse do Marcos
Valério ao Ministério Público Federal.
Sem direito à delação premiada,
não haveria nenhum interesse de vazamento da parte de Valério e seu advogado.
Todos os sinais apontam para a PGR. Nem a PGR nem Ministros do STF haviam
aceitado o depoimento, por não verem valor nele. No entanto, permitiu-se o
vazamento para posterior escandalização pela mídia.
Gurgel é o mais político dos
Procuradores Gerais da história recente do país. A maneira como conquistou o
apoio de Demóstenes Torres à sua indicação, as manobras no Senado, para evitar
a indicação de um crítico ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP),
revelam um político habilidosíssimo, conhecedor dos meandros do poder em
Brasília. E que tem uma noção do exercício do poder muito mais elaborada que a
do Ministro da Justiça e da própria Presidente da República. Um craque!
Polícia
Federal em São Paulo
Movimento semelhante. Vazam-se os
e-mails particulares da secretária Rosemary Noronha. Mas mantém-se a sete
chaves o relatório da Operação Castelo de Areia.
O jogo político
De 2005 para cá, muita água
rolou. Inicialmente havia uma aliança mídia-PSDB. Agora, como se observa, um
arco mais amplo, com Ministros do STF, PGR e setores da PF. E muito bem
articulado agora porque, pela primeira vez, a mídia acertou na veia. A vantagem
de quem tem muito poder, aliás, é essa: pode se dar ao luxo de errar muitas
vezes, até acertar o caminho.
Daqui para frente, o jogo está
dado: um processo interminável de auto-alimentação de denúncias. Vaza-se um
inquérito aqui, monta-se o show midiático, que leva a desdobramentos, a novos
vazamentos, em uma cadeia interminável.
Essa estratégia poderia ter uma
saída constitucional: mais uma vez “sangrar” e esperar as próximas eleições.
Dificilmente será bem sucedida no
campo eleitoral. Mas, com ela, tenta-se abortar dois movimentos positivos do
governo para 2014:
- É questão de tempo para as medidas econômicas adotadas nos últimos
meses surtirem efeito. Hoje em dia, há certo mal-estar localizado por
parte de grupos que tiveram suas margens afetadas pelas últimas medidas.
Até 2014 haverá tempo de sobra para a economia se recuperar e esse
mal-estar se diluir. Jogar contra a economia é uma faca de dois gumes:
pode-se atrasar a recuperação mas pratica-se a política do “quanto pior
melhor” que marcou pesadamente o PT do início dos anos 90. Em 2014, com um
mínimo de recuperação da economia, o governo Dilma estará montado em uma
soma de realizações: os resultados do Brasil Sorridente, resultados
palpáveis do PAC, os efeitos da nova política econômica, os avanços nas
formas de gestão. Terá o que mostrar para os mais pobres e para os mais
ricos.
- No campo político, a ampliação do arco de alianças do governo
Dilma.
Há pouca fé na viabilidade da
candidatura Aécio, principalmente se a economia reagir aos estímulos da
política econômica. Além disso, a base da pirâmide já se mostrou pouco
influenciada pelas campanhas midiáticas.
À medida que essa estratégia de
desgaste se mostrar pouco eficaz no campo eleitoral, se sairá desses movimentos
de aquecimento para o da luta aberta.
Próximos passos
Aí se entra em um campo delicado,
o do confronto.
Ao mesmo tempo em que se
fragilizou no campo jurídico, o “republicanismo” de Lula e Dilma minimizaram o
principal discurso legitimador de golpes: a tese do “contragolpe”. Na
Argentina, massas de classe média estão mobilizadas contra Cristina Kirchner
devido à imagem de “autoritária” que se pegou nela.
No Brasil, apesar de todos os
esforços da mídia, a tese não pegou. Principalmente devido ao fato de que,
quando o STF achou que tinha capturado o PT, já havia um novo em campo – de
Dilma Rousseff, Fernando Haddad, Padilha – sem o viés aparelhista do PT original.
E Dilma tem se revelado uma legalista até a raiz dos cabelos e o limite da
prudência.
Aparentemente, não irá abrir mão
do “republicanismo”, mas, de agora em diante, devidamente mitigado. E ela tem
um conjunto de instrumentos à mão.
Por exemplo, dificilmente será
indicado para a PGR alguém ligado ao grupo de Roberto Gurgel.
Espera-se que, nas próximas
substituições do STF, busquem-se juristas com compromissos firmados e história
de vida em defesa da democracia – e com notório saber, peloamordeDeus. De
qualquer modo, o núcleo duro do STF ainda tem muitos anos de mandato pela
frente.
Muito provavelmente, baixada a
poeira, se providenciará um Ministro da Justiça mais dinâmico, com mais
ascendência sobre a PF.
Do outro lado do tabuleiro, se
aproveitará os efeitos do pibinho para iniciar o processo de desconstrução de
Dilma.
Mas o próximo capítulo será o do
confronto, que ocorrerá quando toda essa teia que está sendo tecida chegar em
Lula. E Lula facilitou o trabalho com esse inacreditável episódio Rosemary Noronha.
Esse momento exigirá bons estrategistas do lado do governo: como reagir,
sem alimentar a tese do contragolpe. E exigirá também um material escasso no
jogo político-midiático atual: moderadores, mediadores, na mídia, no
Judiciário, no Congresso e no Executivo, que impeçam que se jogue mais gasolina
na fogueira.