terça-feira, 26 de outubro de 2010

A parte que nos toca

por Zuenir Ventura
Quando olhamos para esse Congresso que os mais experientes observadores consideram dos piores de nossa história, nos espantamos e tendemos a perguntar como nós, tão éticos, honestos e íntegros, fomos capazes de elegê-lo? Consideramos imensa a distância moral que separa a sociedade dos que a representam. Decididamente, nos achamos muito melhores do que os vereadores, deputados e senadores em quem votamos. Se estivéssemos em seus lugares, o país estaria muito melhor, evidentemente. Será? Será que na realidade não temos os políticos que merecemos?

Numa pesquisa recente para saber se o eleitor é "vítima ou cúmplice" da corrupção política, o Ibope respondeu de alguma maneira aquelas questões, e as respostas não são nada animadoras. No fundo, a maioria agiria do mesmo modo. Diante da relação de 13 atos ilícitos do dia-a-dia - tais como, por exemplo, dar gorjeta para se livrar de multa, sonegar impostos, comprar produtos piratas, apresentar atestados médicos falsos no trabalho ou na escola, entre outros - 69% dos entrevistados admitiram já ter praticado pelo menos uma dessas bandalhas.

Tolerantes em relação às próprias transgressões, eles não esconderam que, se tivessem oportunidade, praticariam também as irregularidades que condenam nos parlamentares e governantes. Assim, 75% dos entrevistados cometeriam uma das infrações morais propostas em uma outra lista contendo 13 atos ligados à política e ao poder, como trocar de partido por dinheiro, contratar sem licitação, escolher parentes para cargos de confiança, aproveitar viagem oficial para lazer, aceitar gratificação, usar caixa 2 em campanha, superfaturar obras públicas e desviar o dinheiro para o patrimônio pessoal, contratar funcionários fantasmas, votar a favor do governo em troca de cargo.

A ambigüidade e o relativismo ético se manifestam com mais freqüência quando as ações envolvem familiares e amigos, confirmando o princípio de que "para os amigos tudo, para os inimigos a lei". Achando legítima a nomeação de parentes para cargos de confiança, 69% aceitam, portanto, como natural o nepotismo, enquanto 43% admitem aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e da família.

Ao realizar essa pesquisa inédita, o Ibope quis propor uma reflexão sobre até que ponto os nossos problemas éticos "estão de fato concentrados nas elites e lideranças ou se trata de uma conduta social presente em todas as camadas e grupos de nossa sociedade". É mesmo uma boa hora para autocrítica e reflexão, principalmente sobre a parte que nos toca a nós, cidadãos e eleitores. Não dá para tirar o corpo fora.

Um comentário: