domingo, 25 de março de 2012

Raul Seixas está aí pra quem quiser se deliciar

Quando soube que Walter Carvalho faria um documentário sobre Raul Seixas fui tomado por um sentimento ambíguo: De um lado a alegria de saber que Raul mais uma vez entraria em evidência (mesmo que toda a evidência do mundo pra Raul seja pouco); e de outro, um incômodo "meio besta" de dividir a sala de cinema com aquelas pessoas que o tem na condição de “maluco beleza”da música brasileira, o doidão que tomava todas e cantava aquela “loucurada toda”, com seu jeitão extravagante. Como admirador que sempre fui, o fato da sua "mensagem"  passar dessa forma para o senso comum me frustra um pouco; mas deixei rapidinho de de ser bobo e corri pro cinema, na esperança do  filme bater justamente em teclas que a grande mídia jamais bateu.

O documentário é muito bem feito, fruto de uma pesquisa séria sobre a vida e obra de Raul. Achei o trabalho de edição primoroso também, embora diga, sem medo de errar, que Walter perdeu a chance de levar a plateia ao delírio quando abordava a música “Medo da chuva”. Na hora da entrevista, uma das ex-mulheres de Raul balbucia a canção e não sai nada, ela tenta, lembra o começo e nada, enquanto isso, parte do cinema que conhecia a letra, já tava ensaiando o coro baixinho..

Quando ela finalmente acerta o início – “ É pena que você pense que eu sou seu escravo...” - o câmera não aguenta e canta a segunda parte: “..Dizendo que eu sou seu marido e não posso partir” . Daí, numa boa sacada, corta pra um show do Raul ao vivo, porém,  já no refrão principal. Creio que nessa hora faltou um pouquinho só de sagacidade ao diretor pra imaginar que o cinema quase inteiro, aquela altura, já estaria, fatalmente, na ponta da língua com a parte sequencial : “Como as pedras imóveis na praia eu fico ao teu lado sem saber, dos amores que a vida me trouxe e eu não pude viver..” Ou seja, foi bom, mas poderia ter sido sublime.

Quanto ao lado pessoal de Raul, é dado muito destaque pro seu jeito doidão, pro uso e abuso de álcool e drogas que sabemos que ele fez - fazer o quê?! - mas não posso deixar de observar que o diretor fez sim uma opção ao escolher esse caminho. Opção essa que, infelizmente só reforça o senso comum que paira sobre o mito. Existe um lado simples, boa praça, e doce, uma doçura quase indefesa de Raulzito que foi pouquíssimo explorado.

Aliás meu fascínio por Raul Seixas deriva justamente daí, de saber que aquela mente absolutamente genial, definitivamente desligado em vida dessa vidinha medíocre (que ele tão bem define em Dr. Paxeco), era um cara bacana, supimpa, porreta, sangue bom a vera.


Foi nesse sentido que, pra mim, foi inevitável fazer a comparação com outro grande ídolo nacional: Garrincha. A genialidade de Mané, até hoje perturba muita gente, o jeito de ser e a trajetória de vida dos dois é muito similar, se a gente parar pra observar. Luis Mendes, o palavra fácil, dizia que Garrincha era o Charles Chaplin do futebol. Pois pra mim Dom Raulzito foi o Garrincha da nossa música. O cara que driblou as obviedades da vida e fez o diabo a quatro dessas regrinhas burguesas que fazem tanta gente feliz...na propaganda de margarina..rs.

O documentário também traz os velhos parceiros, em especial, como não poderia deixar de ser, Paulo Coelho. Eu não tenho simpatia pela figura de Paulo Coelho, nunca tive e sempre fiquei com o pé atrás da orelha e a pulga sei lá aonde coma “parceria”que rolou entre ele e Raul Seixas. O filme só reforçou isso. Pra mim o grande parceiro, no sentido mais abrangente possível, foi Marcelo Nova, posso dizer que tive o privilégio de testemunhar ao vivo sua reverência e a forma cuidadosa com que tratava Raul, no show que fizeram no Canecão, em 1989.

O mais importante pra mim foi o diretor ter trazido a genialidade de Raul à tona. Embora eu ache que ele deveria ter dado era ênfase, muita ênfase. Raul era um gênio e gênio dos grandes, pra mim o maior que já existiu aqui; e não só na música. Raul, na minha opinião, é o maior artista brasileiro de que tivemos notícia. Ele está em pé de igualdade com John Lennon, Bob Marley, Roger Waters e outros que me escape. Não deve nada a essa turma e é um privilégio ter nascido brasileiro.

Raul expressou a sua arte da forma mais absoluta e total possível se é que isso é possível. Manifestação artística marcada no corpo, na alma, na vida e na morte. Com ele não tinha tempo ruim, aliás com ele não tinha esse troço de tempo e espaço, Raul subvertia essas dimensões: seja falando de dez mil anos atrás, seja imaginando um dia pra Terra parar, ou mesmo clamando pra partir para um outro lugar qualquer do universo, “tava tudo rebocado meu cumpádi”! No jogo de gato e rato entre o tempo e espaço ele confundia todo mundo pra explicar direitinho que não acreditava bulhufas nesse “ouro de tolo” que foi dito pra gente correr atrás, desde lá atrás, quando cortaram a cabeça do rei na Revolução Francesa.

E quando neguinho achava que o cara era somente um louco, que falava por falar, ele veio e, generosamente abriu espaço em sua arte pra apontar saída pra quem tivesse olhos pra sentir: “Todos os caminhos são iguais, o que leva a glória ou a perdição, há tantos caminhos, tantas portas,mas somente um tem coração”

E só pra botar ainda mais pó de mico na coisa, por mais paradoxal que possa parecer, Raul viveu como ninguém seu tempo. Era contracultura na veia. Enquanto uns e outros por aí faziam passeata contra a guitarra elétrica ele pegou sua panela do diabo e misturou numa boa Luis Gonzaga com Elvis Presley: Uá babaluba..se avexe não meu nego! Isso até que é dito no filme de forma bem contundente, mas, senhor Walter, francamente, com todo respeito, pra que tanto Caetano na sua fita, seu moço?

Bom, é isso, só pra variar eu resolvi dar uma queixadinha aqui mas no chacoalho geral, gostei do documentário. Raul é tão grande que essas críticas pontuais passam batidas e o que fica mesmo é um bom trabalho, uma justa e bonita homenagem à sua pessoa. Eu não ia nem me emocionar não, mas o cara do meu lado e uma senhorinha do outro começaram com esse negócio daí eu embarquei e fui junto, só pra não quebrar o clima, e foi logo na hora que tocava Meu amigo Pedro (graças ao filme, fiquei sabendo que foi composto para o seu irmão).

Pra terminar, como forma de homenageá-lo, eu vou desdizer aquilo tudo que eu disse antes e abrir de novo a caixa da sinceridade: Quer saber? Raul é pra poucos sim. Que se danem os desmiolados, esses "carimbadores malucos" que insistem em colocar nele o rótulo de maluquinho excêntrico da MPB. Malucos são eles que acreditam que Raul morreu. Tem que ser muito tapado pra não perceber que o cara tá é vivinho da silva e perturbando por aí...

Fim de papo.


Um comentário:

  1. cantar tudo que vier na cabeça eu vou cantar até que o dia amanheçaeu vou cantar.....
    um abraço e ate outra vez.
    mesmo que haja um furo no futuro eu vou cantar
    mesmo que vc não me empreste o seu colar eu vou cantar....

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